dezembro 29, 2004

"fode-me, não me perguntes, fode-me apenas"

vem, ama-me
não me perguntes nada
não queiras saber
que eu não te digo
deseja-me, pelo prazer
que te dou,
pelo prazer que me dás,
não perguntes, que não to digo
voa, sozinha, em mim
não me sintas, possui-me.
toma-me como algo
impossível de ter,
arde teu fogo em mim
como incêndio deflagrado
por entre as folhas secas
do chão pelo qual rebolamos
entre dor e paixão.
quero ouvir-te, sem medos
quero sentir o meu corpo
gemer com o teu,
culminar o ter com o ser.
no fim, pergunta-me,
talvez eu to diga.

dezembro 22, 2004

...eu?...apenas...eu...

sabes onde me encontrar
porque não me procuras?
sou eu, sem receios
não entremos em rodeios

tenho saudades, vontades
da tua voz acompanhada
de tão belo sorriso
tantas vezes sentido

quero olhar pincéis e telas,
pasteis, aguarelas...
ser modelo a pintar
ser corpo a, de novo, desvendar

dizem-me especial, eu digo-me sozinho

Ficou vazio o teu lugar à mesa


Ficou vazio o teu lugar à mesa. Alguém veio dizer-nos
que não regressarias, que ninguém regressa de tão longe.
E, desde então, as nossas feridas têm a espessura
do teu silêncio, as visitas são desejadas apenas
a outras mesas. Sob a tua cadeira, o tapete
continua engelhado, como à tua ida.
Provavelmente fiará assim para sempre.

No outro Natal, quando a casa se encheu por causa
das crianças e um de nós ocupou a cabeceira,
não cheguei a saber
se era para tornar a festa menos dolorosa,
se para voltar a sentir o quente do teu colo.

Maria do Rosário Pedreira

dezembro 21, 2004

os outros e depois, eu e tu

tantos outros
que passeiam
pelas mesmas ruas que eu
dobram as mesmas esquinas

esses, esses são feitos
de ouro e brilhantinas,
uns de ferro forjado.
eu, eu sou como tu.

palavras de dois gumes

tanto que disse
gritei impropérios
dores sentidas
chorei palavras
amargas de solidão

chorei meu coração
em voz de desgosto
usei palavras de dois gumes
para cortar esta dor
porque o amar não é posto.

não quero ser dos outros
quero ser de mim
acordar, sentir, ao invés
de apenas me deixar ir.

um toque no real

Saio de casa, dou um pontapé numa pedra que sem culpa nem rumo se deixa rolar pela calçada, levanto os olhos ao dia que se deixa amanhecer suavemente por entre os edifícios velhos e sorrio. Que paradoxo delicioso.

Ando dois quarteirões, atravesso a rua e, sem notar as crianças que brincam ao meu lado, estagno junto ao pequenito jardim que todos os dias me saúda com um bom dia cheio de orvalho.
É ali que te vejo. Todos os dias te vejo. Estás sentada, cabelos negros e escorridos a repousar em cima dos ombros, duas azeitonas a fazer de olhos e dois pedaços de vermelho carnudo a fingirem-se lábios.

Hoje, como todos os dias, como todos os momentos, como todas as sensações, hoje é como sempre. Olho-te, flutuo-te e o jardim dissolve-se nas casas, e as casas numa tela desfocada, e do céu chovem panos negros que esquecem tudo excepto o tu e o eu e o nós que tem por força que acontecer.

Agora já não há nada. Já não estás a ler um livro, por baixo de ti já não há um banco, nem o teu cabelo se salpica dos pedacitos de flor que pingam das árvores. Mas tu não sabes isso e então continuas na tua posição de sentada - suspensa no ar - com as mãos viradas para cima e a olhares atentamente o teu colo. O desejo... o infinito desejo de te tocar. Ajoelho-me a teu lado. Claro que não me vês e continuas a ler o livro que não existe sentada num banco que já não é.

Como és bonita... o negro dos cabelos a pintar o branco da face, o olhar imenso que deixas deslizar pelo livro que não estás a ler, o nariz ligeiramente arrebitado, os lábios que continuas a humedecer com esse pedaço de morango a que chamas língua, a forma como pendes a cabeça para a esquerda, como um sino empenado, o traço do teu queixo à orelha, o pescoço limpo e suave e incrivelmente beijável... oh pudesse eu atravessar-te com o beijar; deslizar a minha mão da tua testa ao teu ombro, segurar-te com força e fazer-nos voar...

Noto-me, como hoje, como ontem e como sempre, com um sorriso estúpido de deleite, parado à boca do jardim, com crianças a brincar à minha volta. Uma delas chega perto de mim, dá-me um pontapé e eu, sem culpa nem rumo, deixo-me rolar pela calçada.

Filipe Goulão

dezembro 20, 2004

this is my hand, this hand is yours



foi esta a mão
que sentiu a perfeição,
jaz agora aqui a recordação,
desta mão.

angústia de não ser

ser ou nao ser......eis a questao
tu és?
eu nao
nao és?..............serei eu?
sejam eles ou sejamos nós
ou até mesmo os nossos avós
no respeito se vive a sós......
em conjunto de ideais
tais que......
sejam eles ou sejamos nós
o certo,incerto nao se sabe ao certo
o que importa mesmo
é sermos simplesmente seres
com ideais ou a sós
nas ideias que nos gerem
sugerem,felicidade e harmonia
neste ser ou nao ser
simplesmente seres.

Maria João Silva

espelho by others

X

Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!

Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!

"Meu Deus! Mas tu não tu não mudas o programa!"
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
"Que tédio!" o coro dos Amigos clama.

"Mas que vos dar de novo e de imprevisto?"
Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
"Eu sei chorar... eu sei sofrer... Só isto!"

Mário Quintana
in A Rua dos Cataventos

moralidade... só da porta para fora.

e sou mescla
de bem e de mal
sou anjo azul
demónio vermelho
azul como a confiança
que quem é de bem
em mim vê
vermelho como a lúxuria
que só quem como eu é
sabe de mim.
quero princesa
que me saiba ver
para além do azul
que me queira ter
entre paredes
de quentes pintadas
entre panos de paixão tingidos
quero Mulher a quem possa olhar
a alma, por entre seus olhos.
e seu eu sou
bandido social,
quero quem comigo saiba sorrir
quero voltar a sentir,
ser modelo a desenhar,
deitado entre lençois
de uma cama onde possa apenas estar
se uma outra pele com a minha
se misturar,
desenhado sem regras.

desesperos...

que rainha levei eu
em meu colo
a custo de meu corpo.
a troco de minha alma
de que rainha fui eu servo
que rainha foi esta
que sem desagravo me abandonou,
sem pensamento me desconsiderou...
foi rainha
e eu servo
que de servo nunca passou.

dezembro 19, 2004

um poema ao som de carlos paredes

vi-te estrela
encontrei-te a meus pés

eras estrela do mar
com cinco pontas de sal
não tinhas cor azul
o azul do céu ou do verde mar

sem luz,
frágil e fria,
branca cinza
peguei-te da maneira mais meiga
e próxima de mim chamei-te paixão

o sol escaldava
sufocava ao respirar
escutava o mar e o vento
transparente naquele calor ardente

perdi-me no tempo,
no silêncio entre mim,
a estrela e o mar

devagar a escuridão desceu inquieta
era tempo de voltar
de disfarçar calada
dores distorcidas

abracei-te de novo com meiguice
e chamei-te paixão

o ar ficou mais doce
fez-me sorrir de alegria
era urgente descobrir loucuras de emoção

em silêncio sobre ela adormeci


estrela do mar, L. Maltez

também eu, português

Era uma vez
um português
de Portugal.
O nome Luís
há-de
bastar
toda a nação
ouviu falar.
Estala a guerra
e Portugal
chama
Luís
para embarcar.
Na guerra andou
a guerrear
e perde um olho
por
Portugal.
Livre da morte
pôs-se a contar
o que sabia
de Portugal.
Dias
e dias
grande pensar
juntou Luís
a recordar.
Ficou um livro
ao
terminar.
muito importante
para estudar:
Ia num barco
ia no mar
e
a tormenta
vá d'estalar.
Mais do que a vida
há-de guardar
o
barco a pique
Luís a nadar.
Fora da água
um braço no ar
na mão o livro
há-de salvar.
Nada que nada
sempre
a nadar
livro perdido
no alto mar.
Mar ignorante
que queres roubar?
a
minha vida
ou este cantar?
A vida é minha
ta posso dar
mas este
livro
há-de ficar.
Estas palavras
hão-de durar
por minha
vida
quero jurar.
Tira-me as forças
podes matar
a minha alma
sabe
voar.
Sou português
de Portugal
depois de morto
não vou
mudar.
Sou português
de Portugal
acaba a vida
e sigo igual.
Meu
corpo é Terra
de Portugal
e morto é ilha
no alto mar.

portugueses
a navegar
por sobre as ondas
me hão-de achar.
A vida
morta
aqui a boiar
mas não o livro
se há-de molhar.
Estas
palavras
vão alegrar
a minha gente
de um só pensar.
À
nossa terra
irão parar
lá toda a gente
há-de gostar.

uma coisa
vão olvidar
o seu autor
aqui a nadar.
É fado
nosso
é nacional
não há portugueses
há Portugal.
Saudades
tenho
mil e sem par
saudade é vida
sem se lograr.
A minha vida
vai acabar
mas estes versos
hão-de gravar.
O livro é este
é este o canto
assim se pensa
em Portugal.
Depois de pronto
faltava dar
a minha vida
para o salvar.


Luís, O Poeta salava a nado o Poema, Almada Negreiros

também eu, português
lutei e nadei,
em mar bravio.
não salvei poema,
nem minha alma perdi
pois sei a quem a dei,
princesa por quem morri.
de bom grado repetia
salto para a morte,
do barco seguro
para o mar incerto,
a dor que choro hoje
foi o que de melhor tive.

dezembro 16, 2004

e se esta não foi apenas mais uma mentira?

Medo

Quem dorme à noite comigo?
É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem, desdigo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!

E cedo, porque me embala
Num vaivém de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.

Gritar? Quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Amália Rodrigues

Saudades trago comigo


Saudades trago comigo
Do teu corpo e nada mais
Pois a lei por que me sigo
Não tem pecados mortais

Talvez tu queiras saber
Porque em vida já estou morto
São apenas podes crer
As saudades do teu corpo

E tu que sentes por mim
Desde essa noite perdida
Sentes esse frio em ti
Que eu sinto na minha vida

Eu sei que o teu corpo
Há-de sentir a falta do meu
Por isso eu tenho a saudade
Que o meu corpo tem do teu

Letra: António Calém, música: Fado Mouraria

Cansaço

Por trás do espelho quem está
De olhos fixados nos meus?
Alguém que passou por cá
E seguiu ao deus-dará
Deixando os olhos nos meus.

Quem dorme na minha cama,
E tenta sonhar meus sonhos?
Alguém morreu nesta cama,
E lá de longe me chama
Misturada nos meus sonhos.

Tudo o que faço ou não faço,
Outros fizeram assim
Daí este meu cansaço
De sentir que quanto faço
Não é feito só por mim.

Poema de Luís de Macedo, voz de Amália Rodrigues.

dezembro 14, 2004

e se eu fosse bonito?

queria ser bonito,
bonito como tu.
se eu fosse assim
não me sentia feio,
feio como eu.

serei tão feio como me sinto?
serei tão feio como me fizeste sentir?

quero chorar

chorar até morrer
chorar esta dor, esta raiva
esta solidão
chorar o sonho que deixei criar em mim
chorar a mágoa de alguém ter entrado em mim
chorar a tristeza de ter sido esquecido.

"deviam chover lágrimas quando o coração pesa demais"

e perguntei, e sonhei
que te ias,
prometeste não,
promessas vãs de quem
para além do castigo de me ser
tinha a solidão e morte
como companhia.

que sou eu, que apenas servi
os interesses de quem mais nada tinha
que sou eu, que quando outro algo chega
tão facilmente é esquecido

serei eu nada?
merecedor apenas
do desprezo
de quem a tudo dei

fui pano que limpou
lágrimas e sonhos pesados
fui lençol que aqueceu
o coração quebrado
fui lágrimas que encheram ego
fui escravo de quem não sabia
carregar sobre si o seu proprio peso.

fui, nem sei se fui
algo para além do que sou,
nada.

agora sou, peso meu e teu
lastro no barco que apanhei
onde outros navegam
sem de mim precisarem
levam-me por me serem
velhos companheiros de dor

mas sei o que sou,
sou o que nada tem
e tudo deu.

e assim vou sobre a vida indo
sem rumo nem estrela
assim vou sob o céu negro e carrancudo,
escondido neste velho sobretudo
escondendo os olhos salgados
e as faces molhadas pelas lágrimas
que apenas eu choro,
apeas eu sinto, pois fui eu que dei
tudo o que tinha,
fui eu que fiquei sozinho, enquanto o sonho partia.

dezembro 12, 2004

ousei querer Deusa

tenho na mão sangue
meu e dos outros
daqueles que feridos carreguei
até que, recompostos, se foram
e me deixaram só
levo nas minhas mãos
a marca da dor que sofro
e da dor, que não minha, em mim deixada
não tocarei mais
com estas mãos em outrém.
ainda sinto o seu cheiro
ainda sei como é
e ela...
certamente não se lembra quem eu sou
e viva o amor.

e uma vez disse-te que eras estrelas

you have a star that shines on my life and I have a glow that sparkles with your light. How
could you leave this without saying goodbye, because you have a star that shines on my life.
For once in a while you could care about me. It's a chase for simplicity.

The Gift, Wake Up

dezembro 11, 2004

não sendo disso, toca o seu cerne

Optimista céptico

Eu já estou farto das fotografias
que me querem vender todos os dias
os legionários mais os seus troféus
no chão a sangrar

Não posso mais olhar para aquela imagem
parece que é sempre a mesma paisagem
a hipocrisia deste novo império
faz-me vomitar

Por isso eu tornei-me um optimista céptico
não sou bem igual ao céptico opti-místico
só quero encontrar paz
sem arrastar atrás nem mestre nem Deus

Já temos a informação cruzada
empacotada e globalizada
agora só nos falta a convicção
para acreditar

Há assassinos que não se arrependem
há tantos pensadores que nunca aprendem
e há quem insista sempre em aprender
mas não quer pensar

Por isso eu tornei-me um optimista céptico...

Gostava de ser ecologista exótico
sem perder de vista o meu perfil erótico

Ainda vou ser ilusionista crónico
um mestre da fuga, um mago supersónico

Jorge Palma, Norte

porque há imagens que são reais


limbos, dores e saudades

perdido no limbo
da influente memória
pensamentos mordazes
que ferem a alma
dilacerada mortalmente
sem vida nem calor
que gela o corpo,
reduz a impulsos
movimentos quebrados,
quedas vorazes que me trazem
saudades.

dezembro 08, 2004

espelho

nada que és
no vazio repleto
de incertezas
de te saberes
incapaz de sentir.

negro és
por dentro nulo
desapaixonado vil
de quem até as estrelas
tiveram medo.

leve de corpo
que até a mais pequena brisa
te levanta e conduz
pesado de alma
que nem tu mesmo sabes
o quanto ela precisa de luz

fecha-la na dor
em suas vestes negras e pesadas
como tu,
torna-la no que ela sempre foi
o vazio de sonhos e pretensões
tornas-te no que sempre foste
altruísta sonhador
que sonha o que já teve e perdeu.

voltarás a ter, te dizem
do alto das suas almas cheias
de sorrisos seus e corpos pesados.
suas palavras te incomodam
retorcem-te a alma na dor
da ferida que permitiste
ao abrires o teu ser na esperança
de ter, o que de um sonho se tratava.

mas sonhos não se têm,
não da forma como te disseram
não como certezas que te deram,
sonhos são incertezas,
são nuvens de quereres,
bolinhas de sabão nas quais
te proteges da dor,
estendes a mão a quem amas,
escondes o vazio da tua alma
e enches o negro do teu peito
do cheiro que te leva
a sonhar uma outra vez.

e quando o sonho se desvanece
a bola de sabão se quebra
num esboço de lua,
voltas a ter o negro ver.